quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Victor & Leo: Onde o sertanejo esbarra na MPB



CD Boa Sorte pra você 2010

É frequente legitimar um gênero que surge no cenário cultural brasileiro a partir da associação com a MPB. Ou seja, quase sempre os críticos associam determinados cantores e grupos à tradição da MPB como forma de legitima-los. O que está implicito nesta atitude é a valorização de gêneros a partir da lente da MPB, ou seja, a nova música é tão boa que quase chega a ser parecido com a descendência de Cartola, Tom Jobim, Caetano, Chico, Elis Regina, etc. 

Foi assim com o rock nacional, que apesar da oposição ao "banquinho e violão" da MPB, logo foi incorporado (e valorizado) como parte da "linha evolutiva" da música brasileira. Não a toa Cazuza é frequentemente lembrado pela gravação de Cartola, embora esta canção não se encontre na sua discografia pessoal. Os Paralamas também só foram incorporados à louvável tradição a partir do LP Selvagem?, de 1986. Até então os discos anteriores, "Cinema mudo" e "O passo do Lui" (1983 e 1984, retrospectivamente), foram vistos hegemonicamente como uma reprodução musical do grupo de ska inglês Police. Mais recentemente os Los Hermanos foram valorizados pela lente da MPB. O compositor Marcelo Camelo foi frequentemente citado como "poeta" e suas letras comparadas às de Chico Buarque, especialmente a partir do disco Ventura, de 2003. 

Pois bem. Se a MPB quiser começar a incorporar os sertanejos universitários a dupla Victor & Léo é definitivamente a que melhor cumpre este papel. Apesar do repúdio das classes médias (que gradualmente ficam restringidas ao Rio de Janeiro, e mesmo assim, olhe lá) o gênero que se configurou como sertanejo universitário tomou o país. De fato, é dificil falar disso (e ainda por cima fazer um carioca acreditar que estou certo), mas o genêro tomou o Brasil faz tempo. Aliás, tomou o lugar do axé como grande vendedor de discos e megaconcertos. Do Nordeste ao Sul, pode ter certeza, o que se ouve no Brasil é o sertanejo universitário.

E por que isso acontece? Penso que o sertanejo, longe de ser um gênero propriamente dito, como era o sertanejo dos anos 90, se configura como uma amálgama de estilos. Há ainda os romanticos da geração anterior (Bruno e Marrone, chitão e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano), mas há aqueles que ousam misturar axé, forró, rock (à la anos 80) e, no caso de Victor & Léo, MPB. E a dupla citada é que melhor o faz, apesar de vários tentarem.

E essa "tentativa" tem sido bem recompesada. Eu já escrevi aqui no blog que Victor Chaves, o irmão compositor, foi a pessoa que mais arrecadou direitos autorais em 2009 em todo o Brasil (ver dados do ECAD:http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/RankingAutoral.aspx). Com agenda lotada, shows garantidos com lotação máxima, aparições na TV e uma gravadora fundamental na historia do sertanejo universitário (Som Livre), os irmãos estão com tudo. 

O disco "Boa sorte pra você" é o terceiro de estúdio da dupla, que tem também dois CDs "ao vivo", o formato predominante do atual sertanejo universitário. Esteticamente o disco amarra uma série de conceitos desenvolvidos pela dupla. Pra começar, Victor Chaves é autor de 80% do disco, como quase sempre, e parece conhecer na veia um bom refrão com a simplicidade de umhitmaker como tantos na musica brasileira, de Lulu Santos a Leoni nos anos 80 a Buchecha nos anos 90. Diferentemente das outras duplas, Victor & Leo ainda se mostram românticos, num cenário em cada vez mais os sertanejos universitários cantam as separações e a positividade de "é melhor estar sozinho do que mal acompanhado". Aliás, nesse aspecto Victor & Léo são "conservadores" de uma estética dos anos 90; outras duplas baseiam sua carreira no "me deixa em paz", uma ruptura representativa da trajetória do gênero sertanejo pouco analisada e levado a sério pela critica atual. Aliás a definição do que é "sertanejo universitário" é um problema pouco abordado nas críticas em geral, e talvez a questão do viés romantico abordado (ou não) seja um aspecto a se considerar. Nesse sentido Victor & Leo continuam "tradicionais", apesar de que as músicas não são mais de "corno", mas positivas e otimistas em relação ao amor.

Tudo isso já se delineava nos discos anteriores e segue neste. Há ainda a busca de filiação à tradição de Chitãozinho e Xororó através da regravação de "Nascemos para Cantar", sucesso da dupla paranaense de 1991. Mas apesar da filiação ao passado, sempre enfatizada por Victor e Léo, eles parecem dar "um passo à frente" no gênero. São os que conseguem fazer dialogar duas tradições brasileiras: a música sertaneja e a MPB. 

Para quem duvida do que estou falando convido ouvir duas gravações de uma mesma música: "Deus e eu no sertão". A original de 2002 têm um Léo que canta com vibratos, emoção acentuada, parecendo querer imitar um Bruno e Marrone. Em 2004 a canção foi regravad pela primeira vez no LP Vida Boa (Independente). Em 2008 foi regravada novamente, desta vez na voz de Victor e entrou na trilha sonora de Paraíso como abertura da novela global das 7. A segunda versão tem um Leo cantando sem vibrato, mais contido, atento aos "excessos" tão criticados pela MPB na música sertaneja. A terceira versão cantada por Victor é ainda mais soft, sem nenhum dos tradicionais vibratos e prolongamentos vocais da música sertaneja da década anterior. Não à toa choca alguns ouvidos que gostam da tradição Xororó e Zezé. Entrevistei um cantor sertanejo, que fez sucesso nos anos 90 e que depois sumiu do mercado, que relatou seu incômodo em relação ao canto "contido" de Leo: "O cara não solta a voz! Esse cara não canta direito! Parece o João Gilberto cantanto sertanejo!", me disse. 

O sertanejo universitário continua cantando em alto e bom som, com vibrato e voz sempre um grau a mais em volume que os instrumentos. Mas isso não acontece com Leo. Victor, por sua vez, um ótimo violonista, foi um dos responsáveis no sertanejo universitario pelo deslocamento da guitarra elétrica. Se a guitarra tinha sido elemento principal do sertanejo de Chitãozinho, Zezé, Leonardo e companhia nos anos 90, foi definitivamente riscada do mapa do sertanejo universitário. Não apenas a guitarra, também os teclados foram deletados. Agora é a vez do violão de aço e da sanfona.

A levada de Victor Chaves é sempre entre o rock balada e gêneros também incorporados pela MPB, como forró (em "Timidez), o pop (em "Não vá pra Califórnia) e reggae (em "Agua de Oceano"). 

Não será espanto se Victor & Léo forem incorporados e aceitos cada vez mais pela MPB. Tradicionais "caipiras" que odiaram o boom sertanejo dos anos 90, como Renato Teixeira e Almir Sater, já gravaram com a dupla ("Vida Boa" e "Tocando em frente", respectivamente). Aliás, depois que Caetano Veloso se encarregou de produzir a trilha sonora do filme de Zezé Di Camargo e Luciano tudo pode acontecer. 

Leo parece já ter percebido essa incorporação. Em recente declaração feita no site da dupla (em 27/08/2010) Leo falou da quebra de "preconceitos" no cenário musical brasileiro e da possivel e desejável incorporação da dupla pela "boa" tradição nacional: 

"Quero parabenizar a todos os indicados ao Prêmio Multishow. Sei que, entre eles, estavam artistas que fazem um excelente trabalho. Muito mais que uma vitória da dupla Victor e Leo, foi o grande passo dado pela música brasileira, através deste prêmio, que abre espaço e reconhece uma cultura com tanta verdade, raiz e história, como a música sertaneja, que vem do interior do Brasil, especialmente das áreas rurais, e que ganha cada vez mais espaço nos grandes centros. Isso é que precisa ser comemorado e reconhecido.
Parabéns aos organizadores do Prêmio por terem aberto este espaço e quebrado uma barreira que está no fim, mas que ainda existe.
A todos que votaram nos seus artistas favoritos, que se emocionam, que sentem no coração a energia da música, e que os acompanham, sem medir esforços, muito obrigado.
Parabéns a todos que fazem parte da música sertaneja! Parabéns à música brasileira!"


Por Gustavo Alonso do blog LabCULT

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